Pequenos Pecados

Há sete meses que não leio um livro!
O último foi "A vida misteriosa dos cadáveres" de Mary Roach. Brilhante!!
Há sete meses que deixei a meio o "Confesso que vivi" do Neruda e "A literatura erótica" de Jean-Jaqcques Pauvert...
Ambos acumulam pó em cima da mesinha de cabeceira. Já não me lembro do que li em cada um deles. Perdi o fio à meada, perdi o encadeamento da prosa, perdi a tusa de os ler...
Para todos os efeitos, é como se nunca tivesse lido uma única linha, pois de nada me lembro. Tenho uma capacidade de memorização literária eterna do que leio, mas que só é efectiva aquando da leitura da última palavra; aquela que vem antes da página em branco do fim do livro. Se não ler "essa" palavra final que assina o contrato com a memória, é como se não o tivesse lido.
A capa do Neruda, tenho-a memorizada (é a que está por cima do outro na mesinha de cabeceira)... olho-a todas as noites quando me deito e todas as noites oiço o seu protesto: "Ó cabrão, ainda não é hoje que me pegas?".
Falta-me tempo... falta-me espaço para ler. Não o espaço físico, mas o espaço que cada livro que leio deve ter na minha vida. Desde os 12 anos, sempre tive espaço para mais um livro, mas agora não tenho, e sinto-me tão culpado por isso! Sinto-me estupido... e a estupidificar cada vez mais!
Vi, com alegria e inveja, um amigo a ler o seu primeiro livro no fim de semana passado: "4 Horas por semana - Trabalhar menos Produzir mais", de Timothy Ferriss. Embrenhou-se na leitura como eu até há sete meses atrás o fazia... como se fosse a primeira vez!
Preciso que o mundo pare! Preciso que haja um blackout televisivo e internético (agora abusei na invenção de uma palavra nova!). Preciso de me esquecer do "day in - day out", do trabalho até às tantas da manhã, das compras ao fim da tarde, de ler o mail, do ócio do sofá, de limpar o caixote da gata e de cagar à hora certa!
Estou tão fora deste mundo que este ano nem a uma única Feira do Livro fui... e não me lembro de alguma vez ter feito tal coisa!
Sinto falta do peso, da textura e do cheiro dos livros. Sinto falta de namorar com eles, abusar deles lendo-os do princípio ao fim no mesmo dia como costumava fazer na praia ou em noites de insónia; sinto falta de conhecer personagens fabulosas, sítios onde nunca estive, coisas que nunca vi e orgasmos que nunca tive.
Preciso de ler! Quero ler! Tenho de ler!